o mundo do muito pequeno - parte 1

Atenção: este texto é apenas uma curiosidade, destinado àqueles que se interessam por física e química e desejam saber qual a bizarra visão atual que a humanidade tem do mundo microscópico e portanto, dos átomos. Não é matéria de vestibular!

Final do século XIX. Todos felizes no mundo da física. Tem-se a impressão de que tudo está descoberto… Newton, com suas leis básicas e descrição de como se comporta o mundo à nossa volta, inventou a mecânica - o estudo do movimento. Velocidade, aceleração, inércia, forças. Tudo que você teve de estudar o médio inteiro.

Esta parte da física destina-se a explicar como ocorre o movimento dos corpos que conseguimos enxergar, e hoje é chamada de mecânica clássica, ou newtoniana. No final do séc. XIX e início do séc. XX, porém, a tecnologia avança e descobre-se que no mundo microscópico (o muito pequeno, que não conseguimos ver) os corpos não estão nem aí para Newton. Não obedecem suas leis. O que há, então? Vamos analisar historicamente e ver como resolveram este impasse.

Um sujeito com umas ideias estranhas, chamado Louis De Broglie, afirmou certo dia que toda partícula pode se comportar como uma onda, ou vice-versa. Ele não imaginou isto do nada: se baseou em certos experimentos realizados por dois sujeitos: Planck e Einsten. De acordo com ele, toda partícula é meio onda, e toda onda é meio partícula. Você, leitor, é feito de partículas, então você também é meio que uma onda. A princípio, nenhum dos físicos deu muita bola; afinal, que doideira é essa? Uma partícula também é onda? Nada a ver. É fácil compreender porque foi difícil acreditar nestas ideias malucas: elas contradiziam a física clássica, e sabemos que a física clássica é capaz de descrever perfeitamente todo o mundo a nossa volta. O problema é que não conseguiam ver que estavam descobrindo um novo mundo.

Outro camarada mais estranho ainda, chamado Erwin Schrödinger, com um pensamento totalmente exótico, baseado nas ideias de De Broglie, descobriu uma equação relativamente simples que, se resolvida, nos dá toda a informação sobre um sistema. Note o poder que emana destas palavras: ‘toda informação’. Nem as equações de Newton nos dão toda informação sobre um sistema! A equação de Schrödinger em sua forma mais simplificada (independente do tempo) pode ser escrita como \(H\Psi=E\Psi\). Esquisita, não?

Esta letra estranha que está aí, o \(\Psi\) - lê-se psi-, representa a chamada função de onda (lembrando: uma função, de maneira simplista, é uma relação matemática entre duas grandezas, onde uma depende da outra. Exemplo: velocidade, dependendo do tempo. No nosso caso, \(\Psi\) depende da posição e do tempo). A função de onda é a parte da equação que tem de se descobrir (incógnita) e que contém as tais informações. Mas sabe qual era o problema? Sabiam achar a função através da equação de Schrödinger e também sabiam que a função continha as informações. Mas como conseguir as tais informações?

Daí outro maluco chegou, chamado Max Born, e fez a seguinte interpretação: quando elevamos a função ao quadrado, conseguimos a probabilidade de encontrar a partícula em dada região. Olha só que diferença entre as mecânicas clássica e quântica: na primeira, estudamos um corpo e conseguimos determinar perfeitamente onde ele está. Na quântica não. Nunca saberemos onde está um elétron, por exemplo. Conseguimos no máximo estimar os lugares mais prováveis onde ele, quem sabe, pode ser encontrado.

Vamos resumir estas ideias no Princípio da Incerteza, enunciado por Werner Heinsenberg: não conseguimos determinar simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula. Por que isto acontece? Fácil: o simples fato de medirmos a velocidade altera sua posição; se formos medir a posição, alteraremos sua velocidade. Desse jeito, nunca conseguiremos acertar! Daí a conclusão: na física quântica, ao contrário da clássica, o medidor tem um papel crucial. Pode influenciar diretamente o resultado da medição pelo simples ato de medir. Mais do que isso: em sistemas microscópicos, um observador pode modificar totalmente uma situação, só observando-a. É como se você pudesse mudar o resultado de um jogo de futebol o assistindo. Pode parecer meio absurdo, mas como disse Niels Bohr, “quem não ficou chocado com a teoria quântica é porque ainda não a compreendeu”.

Quando resolvemos a equação de Schrödinger para as diversas condições existentes, descobrimos coisas surpreendentes. Por exemplo, no mundo microscópico não existe trajetória. Um elétron pode estar em determinado local, mas nunca conseguiremos saber como ele chegou lá. Ele se move sem uma rota definida, distribuindo-se como uma onda (olha a ideia de De Broglie aí!). Descobrimos também o princípio da incerteza, já citado. Outro detalhe: na maioria dos sistemas, a energia das partículas só pode assumir determinados valores, ou seja, certos níveis de energia são proibidos. Dizemos, então, que a energia é quantizada. Ou você ainda não se perguntou o porquê do nome ‘física quântica’?

Muita gente não gostou da mecânica quântica. O próprio Schrödinger não gostou da interpretação que Born fez da equação dele (e que hoje é a mais aceita). Einsten, o cientista mais popular de todos os tempos e descobridor da teoria da relatividade (trata do mundo do muito rápido), foi um deles. Afirmou certa vez: “Deus não joga dados com o universo”. Ou seja, para ele, este negócio de probabilidade era furada, e seria só uma questão de tempo até que estas teorias fossem todas derrubadas. O problema é que até hoje isto não aconteceu. Apesar da extrema estranheza desta parte da física, onde um movimento não tem trajetória, um corpo se comporta de dois jeitos distintos ao mesmo tempo, o observador influencia o resultado de uma observação, nunca sabemos nada por inteiro e quase tudo é resolvido através de uma única equação, não se achou um erro e tudo está comprovado por experimentos. É, digamos, de se surpreender.

Surpreendente também é o fato da física quântica não contradizer a clássica, apesar de serem tão diferentes. Se resolvermos os problemas quânticos para corpos muito grandes, obteremos os resultados clássicos! Ou seja, a mecânica quântica é a descrição mais completa que temos hoje de como se comporta o mundo.

Agora a pergunta: por que não estudamos estas coisas no ensino médio? Há uma desculpa, meio esfarrapada, mas vá lá: para se chegar a todos estes resultados, são precisos contas matemáticas muito complexas, que requerem do estudante uma boa base de cálculo diferencial e integral, e álgebra linear. Nada que impedisse uma descrição qualitativa e simplista, mas não entremos nesta discussão, porque se for para falar mal da educação brasileira vou me animar e escrever eternamente. Portanto, se você é maluco e gostou de tudo isso, trate de fazer uma faculdade em física, química, ou áreas afins, e divirta-se!