o mundo do muito pequeno - parte 2
“Na primeira metade do século XX, nossa compreensão do Universo foi virada de pernas para o ar. As antigas teorias clássicas da física foram substituídas por uma nova maneira de olhar o mundo — a mecânica quântica. Esta estava em desacordo, sob vários aspectos, com as idéias da antiga mecânica newtoniana; na verdade, sob vários aspectos, estava em desacordo com nosso senso comum. Entretanto, a coisa mais estranha sobre essas teorias é seu extraordinário sucesso em prever o comportamento observado dos sistemas físicos. Por mais absurda que a mecânica quântica possa nos parecer, esse parece ser o caminho que a Natureza escolheu — logo, temos que nos conformar. “ - Robert Gilmore
Bom, pessoal, no texto anterior eu expliquei o que é a mecânica quântica. Mas agora vamos afinal ao que interessa (pelo menos pra mim): sua aplicação à química! Para uma melhor compreensão, recomendo que tenha o primeiro texto fresco na cabeça.
Nas nossas primeiras aulas, discutimos os modelos atômicos, representações que diversos cientistas formularam para tentar descrever o átomo, unidade fundamental da matéria. Primeiro veio Dalton, com suas bolinhas de gude; mais ou menos cem anos depois, Thomson com o pudim de passas. Rutherford deu um passo importante descobrindo descobrindo que os elétrons negativos e leves giram ao redor de um núcleo positivo e pesado, e que a quase totalidade de espaço do átomo é ocupada por vazio. Mas o modelo de Rutherford tinha um defeito: por que os elétrons não perdiam energia ao girar, diminuindo assim sua velocidade e em alguma hora chocando-se com o núcleo, como a física clássica dizia que aconteceria?
Bohr fez uma formulação que tentava consertar isso. Ele usou equações da física clássica e (aqui está a revolução!), junto com a ideia daquele cara chamado de Broglie de que toda partícula é uma onda e toda onda é uma partícula, propôs um modelo atômico onde a energia dos elétrons girando ao redor do núcleo era quantizada. Ou seja, os elétrons só podiam ter determinados valores de energia, nunca diferentes daqueles descobertos por Bohr. Esses valores são os chamados níveis de energia ou camadas eletrônicas (K,L,M,N,O,P,Q).
Uma analogia para entender a quantização da energia seria imaginar você em uma rampa e em uma escada. Na rampa, pode-se estar situado em qualquer lugar. Na escada não. Somente em alguns locais específicos (chamados degraus). A altura é, portanto, quantizada. Em uma escada com sete degraus, por exemplo, você só pode assumir sete valores de altura. Ou será que você consegue ficar parado no espaço entre dois degraus? Só se for o Mister M! Ou o Naruto, como lembrou bem um aluno no meio da aula.
Daí, entende-se por que os elétrons não se chocam com o núcleo: chega uma hora em que não podem perder energia simplesmente porque, de acordo com o modelo de Bohr, isso não é permitido a eles.
Beleza, então. Tudo era perfeito, com exceção de um pequeno detalhe: só funcionava para o átomo de hidrogênio! Para todos os outros era furada. Estranho, né? Conclusão: o modelo estava errado, mas pelo menos alguma coisa devia estar certa.
De fato: Bohr usou uma equação da física clássica para construir o modelo. Daí vem até a pergunta: “Seria Bohr o primeiro dos quânticos ou o último dos clássicos?”
E aí chegou Schröndinger com sua equação. Totalmente nova: totalmente quântica. Ele a resolveu para diversos sistemas, dentre eles o de uma partícula negativa muito leve interagindo com uma partícula positiva bem mais pesada. E o que seria esse sistema? Um átomo de hidrogênio!! Daí, ele obteve os mesmos resultados de Bohr. Mas o mais importante: Schröndiger não precisou usar equações antigas, da física clássica como Bohr fez. Todos os resultados vieram a partir de conceitos quânticos.
E o mais legal: a equação funciona para qualquer sistema, não só para o átomo de hidrogênio, como o de Bohr! Portanto, estava resolvido o mistério do mundo microscópico: a matéria é realmente formada de átomos; dentro dos átomos, há outras pequenas partículas, que interagem entre si obedecendo às estranhas leis da mecânica quântica. Portanto, as informações sobre o sistema são obtidas a partir da resolução da equação de Schrödinger.
Muito se descobriu a partir daí. Por exemplo, a suposição de Rutherford e de Bohr de que os elétrons giram em torno do núcleo, como os planetas giram ao redor do sol, está errada. Na mecânica quântica não há trajetória, lembra-se? Então não tem como o elétron fazer um giro bonitinho e numa órbita bem definida: na verdade, é um movimento completamente maluco e desconhecido, com características de onda, onde o elétron pode estar em um canto e aparecer em outro sem passar pelo meio (como num teletransporte). É difícil imaginar isto justamente por que nossos sentidos nunca viram ou sentiram nada semelhante. Isto só existe no mundo do muito pequeno. Nós vivemos no mundo do \(F=ma\) de Newton.
Uma limitação da equação de Schrodinger é que o hamiltoniano pode às vezes ser tão complicado que a equação fica impossível de ser resolvida. Isto é verdade para todos os outros átomos diferentes do hidrogênio. Então o que fazer? Os matemáticos são muito engenhosos, e inventaram métodos que encontram um valor aproximado para o resultado da equação. É igual a divisão entre alguns números: É impossível dividir exatamente 22 por 7: dá dízima periódica. Mas podemos encontrar um resultado aproximado. Conclusão: a química inteira é uma aproximação! Só conseguimos resolver a equação de Schrodinger exatamente para o átomo de hidrogênio. Todo o resto das informações da tabela periódica vem através de “macetes matemáticos”, que encontram um valor próximo para as propriedades químicas dos átomos, mas nunca exato.
Grande parte de vocês já estudou os números quânticos: níveis, subníveis, orbitais, spin. E aposto que ninguém entendeu muito bem o que era. Claro, se todos estes números surgem da resolução da equação de Schröndinger! Como entende-los se não se sabe nem que esta equação existe? Os orbitais (caixinhas), por exemplo, são as funções de onda de um elétron no átomo (aquela função, \(\Psi\), que contém toda informação, e tal, e tal).
Diversos conceitos químicos tem sua explicação fundamentada na mecânica quântica. A ligação química é um fenômeno que ocorre entre os elétrons: portanto, a única explicação do porquê dela acontecer só pode vir da equação de Schrodinger. Mas no ensino médio, e mesmo na faculdade, aprendemos os modelos que, apesar de ultrapassados, nos ajudam a compreende-la (como o de Lewis). Outro exemplo é o da tabela periódica, que só é daquele jeito por causa da mecânica quântica, nada mais. Entre muitos outros fenômenos.
A física quântica é extremamente importante nas mais diversas áreas, como dispositivos eletrônicos, biologia, nanotecnologia, e até na filosofia. Aqui tentei demonstrar pelo menos sua importância na química. Mas se você gostou e ficou curioso, não se restrinja: procure, pesquise, pergunte-me porque informação por aí é o que não falta! Abraços.